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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Capitulo 4 - Melhor hora do dia

Se existia um único momento que me eu me tornava feliz, era a hora do intervalo.
Eu estava repetindo o primeiro ano (falta de comida estraga o racicinio, além de dar sono e lerdeza), e minha história naquela escola não foi das melhores. Talvez tenha sido por isso que tudo começou.
***
1 ano e meio antes...
Fragmentos do diário de Fran (2008)
- Que saudade tenho da minha turma da oitava. Foi a melhor escola que estudei, tanto pelo ensino, professores, colegas... Toda a turma era amiga, sem exceção.É claro que as brigas existiam, mas era como briga de irmãos. Passava em horas.
Chegar nessa escola me dá arrepios. É grande demais, tem gente demais e ninguém se conhece na minha turma.
- Eu sou tímida demais pra me aproximar de alguém. E os grupinhos se formando me dão arrepios. Nunca existiu grupinhos na minha antiga turma.
- Estamos quase em maio. Ninguém jamais olha pra mim nem dirige a palavra. Eu sinto falta de amigos aqui, o que tem de errado comigo?
- A professora de religião fez uma brincadeira hoje, que teriámos que colocar qualidades ou defeitos dos colegas. Não conhecia ninguém então apenas escrevi 'legal' em todas as folhas. Quando fui olhar a minha, foi impossível não encher os olhos d'água. Em meio de poucos 'legais' e 'timida' a palavra NOJENTA se destacava. NOJENTA.
Ninguém tenta falar comigo, ninguém se aproxima. E eles têm a cara-de-pau de falar que EU sou nojenta?
Eu os odeio.
- Fazem três meses que não apareço nas aulas. Não quero ver a cara daquela gente. Nunca mais. Hoje, como faço sempre, fui até a escola e peguei o ônibus até o centro. É lá que passo minhas manhãs.
***
2009 - Hora do intervalo
Depois disso que conheci Rebeca, que me apresentou Jéssica, Desiréè, Paula e Bruna. Essas últimas duas me fizeram chorar algumas vezes, por não me aceitarem "no grupo".
Talvez por isso tenha me apegado tanto nas outras três, que me acolheram. Comecei a ir as aulas, mas os lanches no centro tinham me feito ir dos magros 40 aos 60kg em meses. Foi aí que tudo começou.
O intervalo era a hora em que ia visitar as meninas no segundo ano. Era uma transformação instantânea. Risadas, brincadeiras e conversas sinceras eram normais ali. Elas nem mesmo desconfiavam que eu fosse triste e obcecada por magreza. Era como se eu fosse outra pessoa perto delas. Alguém feliz.
Elas eu saberia descrever. Rebeca era evangélica como eu, mas diferente. Ela tinha uma luz que irradiava a distância e um comportamento impecável. Era divertida e uma excelente amiga. Também não era muito interessada nos estudos, mas sempre tinha as notas boas. Jéssica era do tipo estudiosa, amiga ouvinte e compreensiva. E estava sempre lá quando eu precisava. Desi era irônica e séria, quase mau-humorada, mas o tipo de pessoa que faria o papel de amiga-mãe quando alguém precisasse de um sermão. Paula era quieta e calma, responsável e querida. E Bruna era mimada, irritante até, mas era estupidamente divertida.
Elas eram as únicas pessoas no mundo que sabiam do meu maior problema - a mitomania.
Antes que alguém diga que é vício de mentira: não é. Compulsão por mentiras é mentir sem parar e sobre qualquer coisa. Mitomania é quando o cérebro acredita em imaginação e sonho como fato, ou seja, eu acreditava naquilo que falava. Não quase acreditava, eu acreditava mesmo.
Jéssica, Rebeca e Desi me ajudavam como podiam. Pediam fotos de tudo o que eu fizesse, confirmações. E quando eu contava algo que descobria ser mitomania, elas sorriam e nunca ficavam bravas. Eram anjos.
Eu me tornava extrovertida perto delas, mimha timidez ia embora. Ficava maluca até. Quem me via todos os dias daquele jeito, nunca imaginaria que eu passava o resto do dia triste e pensando em números. Não as culpava não desconfiar.
Quando o sinal tocava era hora de voltar a ser a garota triste. Saía pela porta do segundo ano e a transformação acontecia outra vez.
***
Deixei o sono me pegar nos dois últimos períodos, que tinha quimica, uma matéria que até hoje não entendo. Acordei quando o sinal bateu do lado de fora.
Coloquei minha mochila nas costas automaticamente e ia saindo pra ir embora. Amanda me puxou - Vai almoçar comigo hoje - ela disse.
Franzi a testa.
- Não - falei.
- Sim - ela disse - Ou vou te seguir até em casa e esperar tua mãe pra conversar com ela.
- Você é louca? - perguntei.
Ela riu, e me puxou sem se importar. Eu bufei.
Ela foi até o centro falando sem parar ao meu lado, e eu escutava com atenção, como sempre, agradecida por não ter que falar.
Ela pediu dois sanduíches e duas cocas. Zero pra mim. Comi com nojo como se tivesse com merda na boca. Não estava brava com Amanda. Pra falar a verdade, eu sabia que ela só estava preocupada. Não sei se comigo ou com a melhor amiga dela, que estava sofrendo por mim, mas estava bem intencionada.
Ela finalmente me largou no ônibus, e assim que tirei o livro que estava lendo da mochila, meu estômago revirou e senti a comida querendo voltar.
Entrei em casa e fui direto ao banheiro, enchi um copo com água do chuveiro e tomei, sentindo a garganta arder.
Coloquei uma gota de detergente no dedo e enfiei na garganta.
Não funcionou. Nunca pode demorar tanto pra botar pra fora.
No desespero, coloquei oleo em uma volher e tomei.
Funcionou.
Foi a coisa mais maluca que já fi.
Aí que decidi pelo extremo. Liguei pra farmácia e pedi oito envelopes de laxantes.
Podia não funcionar. Mas me fazia sentir o familiar vazio.
E o vazio é bom.

1 kcal:

Drella disse...

Gosto dessa história.

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